O início do mês de novembro traz consigo a concretização de uma luta, aliás justa, de valorização dos profissionais de enfermagem, a quem será atribuído um incremento remuneratório de 24% até 2027, sendo que os primeiros 50% têm efeito imediato. Nos últimos anos, em Portugal, tivemos um período inflacionista intenso (entre 2021 e 2023), num valor acumulado de 13,37% no IPC (Índice de Preços no Consumidor). Em 2006, o salário mínimo nacional era de 450€, em 2024 é de 820€, ou seja, mais de 82% (em janeiro de 2025 subirá de novo). O custo da energia, da água, dos consumíveis sofreram diversos aumentos durante e pós-pandemia.
Os Governos (atual e anterior) sabendo disso mesmo, aumentaram os salários, deram idêntica resposta ao valor baixo de alguns medicamentos (perante a escassez dos mesmos nas farmácias). Aumentaram os valores pagos à Rede Nacional de Cuidados Continuados por mais do que uma vez. Aumentaram os valores pagos ao Setor Social, por mais do que uma vez, e com efeitos retroativos. Aumentaram os valores que pagam aos hospitais públicos do SNS. Aumentaram as tabelas da ADSE e de outros subsistemas.
No entanto, há um setor onde não há aumentos nem atualização há mais de 10 anos. É o Setor Convencionado que, aos olhos do poder público, vive numa aparente redoma, à margem e alheio de qualquer aumento. Sofreu todos os aumentos de custos, mas nenhum aumento de preço.
O que é o setor convencionado? São milhares de empresas que, ao seu lado, diariamente, há quarenta anos, prestam cuidados de saúde, tratamentos médicos e meios de diagnóstico e terapêutica. É um dos pilares dos cuidados primários do sistema de saúde: o laboratório de análises da nossa rua, o centro de radiologia, o centro de diálise, a clínica onde faz o seu ECG, ou a clínica de reabilitação física onde os nossos pais (mas não só) aprendem a viver melhor e mais anos. Estas unidades de saúde privadas, por estarem próximas, serem eficazes e disponíveis, evitam que os utentes tenham de ir ao centro de saúde ou ao hospital, evitam listas de espera, evitam deslocações morosas e custosas. Respondem rapidamente e com bons níveis de qualidade. No ano de 2023, praticaram, para os utentes do SNS, mais de 133 milhões de atos. Estas unidades são acesso, proximidade, qualidade, disponibilidade e eficiência. Mas a manter-se esta postura, a sua sustentabilidade está em causa: mais cedo do que mais tarde deixarão de o ser. Aconteceu com os medicamentos (que deixaram de estar disponíveis), com as ecografias obstetras, com a terapia da fala, etc.
Tal como o cavalo do inglês, a manutenção desta postura do poder público levará ao desaparecimento de unidades, de especialistas, de técnicos e de oferta. A isto chama-se menos acessibilidade, menos direito à saúde, menos liberdade de escolha, maior destruição de estrutura produtiva e geradora de ganhos de economia.
Procuram-se terapeutas da fala a 3,97€ por sessão, ou médico para realizar ecografia articular a 9,29€. Algum profissional disponível?
Já agora: o mesmo Estado paga aos hospitais públicos, pelos mesmos atos, 7,80€ e a 26,00€. Porque será?
O cavalo do inglês
Uma história popular, cuja origem se perdeu, conta que um inglês tinha um cavalo que se matava a trabalhar, mas que lhe saía caro porque comia muita ração. Para economizar, o inglês deixou de o alimentar e, embora o cavalo fosse ficando cada vez mais macilento, o dono andava satisfeito porque lá ia economizando uns dinheiritos. Quando, passados uns tempos, o cavalo morreu, o inglês terá exclamado com ar surpreso: “Logo agora que o cavalo já estava quase habituado a não comer, morreu!
Publicado na CNN a 12 de novembro de 2024